Nos 125 anos de República, eis uma política em decomposição.

15 de novembro de 2014

Flores, muitas flores bonitas e perfumadas por toda parte, para disfarçar e tornar o ambiente mais tolerável? Nesta altura, seria inútil. A sexta-feira começou com novas prisões da Operação Lava Jato, a investigação policial sobre as bandalheiras na Petrobrás. Bem cedo a imprensa havia noticiado: a maior estatal e maior empresa brasileira, com ações no País e no exterior, precisou adiar a publicação do balanço. Falta o aval da firma de auditoria, a Pricewaterhouse Coopers (PwC). Os auditores poderão encrencar-se nos Estados Unidos se assinarem as demonstrações de um cliente envolvido em histórias de corrupção. Para eles, o mais seguro é esperar.

Mas o caso da Petrobrás é só um dos problemas de um governo em péssimo estado de conservação. Enquanto prosseguia a Operação Lava Jato, o Executivo tentava conseguir do Congresso uma alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para acomodar qualquer mau resultado das contas públicas. Essas contas, hoje, estão em condições piores que as de muitos países fortemente afetados pela crise iniciada em 2008.

Quando os diretores da Petrobrás decidiram adiar a divulgação das contas do terceiro trimestre, a presidente Dilma Rousseff já estava chegando a Brisbane, na Austrália, para uma reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20).

Haviam ficado em Brasília, para falar em nome do governo e negociar a mudança da LDO, o vice-presidente, Michel Temer, e o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. No começo da semana a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, já havia ido ao Congresso para defender a alteração da regra orçamentária – essencialmente, a extinção do limite para descontos da meta de superávit primário. Com isso, qualquer número vexatório será considerado aceitável. A ministra realizou com zelo sua tarefa e chegou a descrever a situação fiscal brasileira como “bastante confortável”. Pão ou pães, é questão de opiniões, segundo a filosofia do Grande Sertão. Ainda assim, parece estranho falar de situação confortável quando se trata do rombo fiscal brasileiro, maior que o de muitos países desenvolvidos.

O déficit do governo central, incluído o gasto com juros, alcançou de janeiro a setembro 4,97% do produto interno bruto (PIB). Em 12 meses chegou a 3,75%. Se continuar por aí no fim do ano, será muito pior que a média estimada para a zona do euro, 2,9%, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O déficit nominal de todo o setor público atingiu 5,94% do produto em nove meses e 4,92% em 12. A média projetada para os países avançados do G-20 é de 4,5%. Ninguém deve ter falado sobre esses números à presidente Dilma Rousseff nem à ministra Miriam Belchior ou a outros auxiliares da Presidência.

O desastre das contas públicas é um dos efeitos mais vistosos da política em vigor desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa política foi ampliada nos primeiros quatro anos de sua sucessora, com o prolongamento da relação promíscua entre o Tesouro e os bancos federais, a multiplicação dos benefícios seletivos, o avanço do protecionismo, a tolerância à inflação, o intervencionismo crescente e a maquiagem ostensiva do balanço fiscal. A crise industrial e a destruição de postos de trabalho formal em outubro são algumas das consequências mais importantes.

No mês passado os empregadores fecharam 30.283 postos de trabalho com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Foi o primeiro resultado negativo em um mês de outubro desde o começo da série, em 1999. Mas os dados mais feios são os acumulados no ano.

De janeiro a outubro foram criados 912.287 empregos formais em todo o País, segundo o cadastro, mas 582.425, ou 63,84% do total, foram abertos em serviços, em segmentos de baixa produtividade e salários correspondentes a esse padrão. A criação de empregos é um dos feitos alardeados pela presidente Dilma Rousseff e sua trupe, mas as vagas oferecidas são compatíveis com a estagnação da indústria, com o baixo investimento e com a perda de vigor produtivo da economia. Que outro tipo de ocupação poderia aumentar quando a política é incapaz de estimular o investimento, a produtividade e a produção?

O governo conduziu a política econômica nos últimos seis anos como se houvesse no Brasil muita mão de obra desocupada e muita capacidade ociosa na indústria. Uma estratégia desse tipo foi justificável no começo da crise internacional, mas logo deixou de ter sentido. O passo seguinte deveria ter sido a busca de uma nova etapa de desenvolvimento. Mas o “modelo” adotado pela presidente Dilma Rousseff e, portanto, pelo ministro da Fazenda simplesmente deixou em plano inferior metas de produtividade e modernização.

Foi o aspecto mais inovador do tal modelo: adotou-se pela primeira vez na História uma teoria do desenvolvimento sem referência à produtividade. Os efeitos dessa inovação teórica são visíveis na estagnação da indústria, na queda do investimento e na sucessão de pibinhos, com média anual de crescimento provavelmente inferior a 2% entre 2011 e 2014.

Com as contas públicas em pandarecos, o investimento muito abaixo do necessário, a inflação na vizinhança de 6% e contas externas em deterioração (déficit de US$ 2,62 bilhões de janeiro até a primeira semana de novembro), a primeira grande tarefa da presidente Dilma Rousseff, antes de começar o segundo mandato, será reconhecer a realidade. Se for, finalmente, capaz desse esforço, ficará assustada.

A maioria dos eleitores concedeu mais quatro anos a um governo em péssimo estado de conservação. Cada novo detalhe do escândalo da Petrobrás torna mais difícil disfarçar esse fato. Escrever sobre a política econômica brasileira assemelha-se cada vez mais a um trabalho de médico legista.

Rolf Kuntz – jornalista






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