Desde junho deste ano, o Brasil não é o mesmo. As insatisfações que lamberam o país a partir de uma pauta aparentemente banal – o aumento de R$0,20 nas passagens do transporte público – colocaram muitos cidadãos em outra relação com o país, em que o orgulho de ser brasileiro se desviou do clichê triplo samba, mulata e futebol. Um movimento sem lideranças, sem rostos, difuso, suprapartidário, reforçou a tese de que saímos da dualidade mundial e caímos de vez nas incertezas da pós-modernidade. E como ir às ruas protestar? Ah, isso não tem receita.
As pessoas vão como estão, parafraseando o chamamento cristão, com ou sem máscara. Descobrimos, enfim, a insatisfação (coloco descobrimos englobando aqueles que começaram a frequentar as ruas experimentando-as como arena/embate político, social e simbólico).
Descobrimos que não dá para viver sob a égide do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Descobrimos que temos direitos. Descobrimos que os políticos não podem ser fartar com o dinheiro público e zombar da nossa cara. Alienados, militantes, consumidores falhos, ladrões, aproveitadores viveram e vivem essas experiências de maneiras bastante peculiares.
Experimentamos o empoderamento de outras vozes, contestando em tempo real o que a telinha, nem sempre correta na apuração, cuspia na nossa cara. Então, não me venha querer separar o joio do trigo nesse mar de descontentamento e pautando a discussão apenas fazendo a contabilização da depredação.
Pois bem. E aqui chegamos ao feriado de 7 de Setembro, sem graça porque não caiu em plena quinta-feira, não é verdade? Risos.
Não dá para querer que o aparato simbólico dos desfiles cívicos se mantenha intacto sem nenhuma ranhura ideológica. Como acompanhar um desfile no qual se exalta um país que almeja a independência em relação a Portugal (um agente externo) se hoje esse país não consegue responder às questões sociais que se levantam e são prementes?
Quando coloco país, penso em nossa democracia, pois estamos em um momento em que os representantes políticos cospem na cara de seus cidadãos. Então, como assistir a esse simbolismo do feriado construído anos a fio matando o simbolismo atual, de cidadãos extorquidos por quem deveria representá-los? Por isso, acho que as tradições não devem ser tratadas como se vivessem em uma redoma de proteção. É preciso ser antropofágico (Viva o Modernismo!).
E nesse movimento é que regurgito o verso do hino da Independência do Brasil: “longe vá temor servil: ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”. Os cidadãos revoltados e, com razão, querem uma liberdade real e não uma etérea/idealizada. Morrer por qual Brasil, se ele é tão múltiplo, recortado?
Quer-se explodir para chamar a atenção, porque as condições de formação do país em nosso estágio atual transformaram os cidadãos em verdadeiras pólvoras – uns com um pavio longo e outros não. Explodir, mas não morrer. Os grilhões ainda forjam, mas o lugar no embate já se sabe qual é, e não é na arquibancada, assistindo às bandas passarem.
Talita Barros – Jornalista