Por Evando Freitas – O lugar dos mortos na cidade dos vivos

1 de janeiro de 2017

Aproxima-se o dia de Finados, uma data celebrada pela Igreja Católica, em que devotos costumam ir aos cemitérios para lembrar de seus parentes falecidos, uma forma de resgatar a memória e cuidar do lugar onde estão os restos mortais das pessoas que amamos. Esse artigo visa mostrar os locais dos mortos no meio dos vivos em São Fidélis ao longo de nossa história, afinal o destino último dos fidelenses nem sempre foi o atual cemitério.

Quando os frades Frei Angello e Frei Victório chegaram a São Fidélis, se estabeleceram em um local não muito bom, de modo que os índios falaram para não se construir ali a capela, por ser um local ruim. Conduziram então os frades para um local mais abaixo do escolhido, e neste local levantaram a primeira igreja de pedra.

Ao lado dessa primeira igreja de pedra, onde é hoje a Capela de Nossa Senhora do Rosário do Colégio Estadual de São Fidélis, foi construído um hospício e o primeiro local cristão para sepultamento, um cemitério (onde é hoje o salão nobre do CESF), onde os índios batizados passaram a ser enterrados.

O local da missão foi crescendo e os frades logo levantaram o questionamento de que era necessária uma igreja maior, visando o futuro da missão. Então, solicitaram a construção da Igreja Matriz de São Fidélis, local onde seria construído um segundo cemitério (por trás da igreja, assim como as Catacumbas). A construção da Igreja Matriz de São Fidélis ganhou total atenção dos frades, que deixaram um pouco de lado o cuidado com a Igreja do Rosário.

A igreja nova levou os fundadores a um plano maior para a missão: construíram, além da igreja, um cemitério num local perto (pátio), enquanto não ficavam prontos os locais que estavam construindo no interior da Igreja, as catacumbas. Esses foram os locais de sepultamento posteriores ao cemitério da igreja velha (Igreja do Rosário)

A origem dessas catacumbas (galerias interiores) é datada do final do ano de 1809, quando então os frades terminaram os acabamentos internos e os externos do cemitério.

Nesse período histórico, depois do século XVI, a classe social do falecido passou a interferir claramente onde aquela pessoa seria enterrada. Portanto, os locais de sepultamento não eram os mesmos para todos: para os mais ilustres, as catacumbas; para os mais simples, o adro da igreja, onde é hoje o fórum e algumas ruas ao lado da igreja.

Manter a Igreja Matriz não foi tarefa fácil, mesmo para dois frades arquitetos. A falta de mão de obra e de materiais fez com que a Igreja se encontrasse em ruínas logo nas décadas de 1820, 1830 e 1840 – mesma época que as catacumbas começaram a ser desativadas. Com essas informações é possível perceber que a vida útil dessas catacumbas durou de 1809 às décadas de 1820 e 1830, pois, com os diversos problemas estruturais que se apresentavam na estrutura da Igreja, ficara inviável a manutenção das catacumbas.

Para dar fim aos sepultamentos em igrejas, era necessário criar cemitérios fora da cidade. Para tanto, era necessário algum órgão para ficar com tal função. Em 1828, com a lei provincial, as câmaras municipais foram sendo criadas por todo o país e cabia a elas arrumar local para os cemitérios, claro isso não foi rápido nem uniforme mas com o tempo foi acontecendo, como ocorreu em São Fidélis.

Presume-se, portanto, que o cemitério público de São Fidelis fora construído pela câmara de vereadores para cumprir a exigência de acabar com os sepultamentos, não só dentro da Igreja Matriz, mas os sepultamentos nos dois outros cemitérios que ficavam onde hoje é o centro da cidade.

Finalizando o trabalho, cumpre citar que o atual lugar de sepultamento da cidade possui forte ligação com fatos que ocorreram no Brasil no século XIX. O atual cemitério público da cidade foi construído em 1874 por João Manoel de Souza (Barão de Vila Flor). Não há descrição de como esse cemitério surgiu, pois todas as informações foram possíveis apenas através de uma única fonte – a lápide abaixo.

Pelo que se pode perceber, no cemitério, a primeira construção foi uma igreja, que fica no centro, e em seu redor muitos túmulos. Em conversa com o zelador, este relatou que o cemitério já foi acrescido três vezes, conforme ele mesmo mostrou.

A divisão é nítida, pois tem muros menores que separam as áreas mais antigas das mais novas. Todas as sepulturas mais antigas estão em torno da igreja; as mais novas, mais distante. Assim, se pode concluir que pode ter acontecido o que Ariés afirma, as pessoas queriam sempre ficar perto da igreja, ou santo de devoção.

A localização do cemitério de São Fidélis na época era totalmente fora da cidade, não havia nada em seu redor. Porém, com o tempo e o crescimento da cidade, o local onde fica se tornou um bairro da cidade, um fato que se repetiu como o que já tinha acontecido em outras regiões.

Concluindo, São Fidélis (parte urbana) teve até quatro locais de sepultamentos:

  1. O construído ao lado da Igreja do Rosário era para Índios e Negros.
  2. O do adro da Igreja Matriz, para brancos.
  3. As catacumbas para pessoas que contribuíram para as obras da igreja.
  4. E o atual Cemitério municipal na Rua da Igualdade.

Referências:

ARIÈS, Philippe e CHARTIER, Roger. (orgs.) História da Vida Privada. Da Renascença ao século das luzes. SP, Cia das Letras, 1991

BALBI, Aloysio. São Fidélis A história consagrada. Rio de Janeiro: Gráfica & editora Minister, 2009.

BARROS, Clara Emília Monteiro de. Aldeamento de São Fidélis: o sentido do espaço na iconografia. Rio de Janeiro. IPHAN 1995.144 f. Volume 1.

CARNEIRO, Aurênio Pereira. História de São Fidélis. Niterói: Imprensa Oficial, 1988.

PALAZZOLO, Jacinto. Manuscrito dos fundadores da cidade de São Fidélis, 1968.

Demais fontes consultadas, acervo histórico do museu Paroquial “Rita Maria de Abreu Maia”.  Arquivos (Documentos, livros de tombo, registros de batismo, casamento e óbito) da Igreja Matriz de São Fidélis de Sigmaringa.

Artigo produzido pelo historiador fidelense Evando Freitas






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