Meio Ambiente

Por suas características geológicas, São Fidélis deveria fazer parte da região noroeste do Estado do Rio de Janeiro e não da região norte. Porém, a cana-de-açúcar levou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a inseri-lo na microrregião homogênea açucareira de Campos. Elevada a cidade em 1850, São Fidélis, embora na zona cristalina, fica a 15 metros de altitude, pouco mais que a altitude de Campos, localizada na planície aluvial à jusante. Na área do seu território, com 1.030 km2, há, porém, altitudes bem mais elevadas na Serra do Mar, à margem direita do rio Paraíba do Sul. Sua população alcança a cifra de quase 38 mil habitantes.

Bases ambientais e culturais
Aspectos geológicos e geomorfológicos

O recorte territorial de São Fidélis estende-se na zona cristalina, que data de era pré-cambriana, com mais de 600 milhões de anos de idade, portanto. As maiores elevações situam-se pela margem direita do rio Paraíba do Sul, onde a Serra do Mar rebaixa-se abruptamente e permite a passagem do mencionado rio. Pela margem esquerda, as elevações são modestas, citando-se a Serra do Sapateiro. Mencione-se ainda, por sua configuração, o Morro Peito de Moça, entre a Serra do Mar e o Paraíba do Sul.

Com altos e baixos, o terreno tende a apresentar declive em direção a Campos até Itereré, onde finda o embasamento cristalino e começa a planície aluvial e uma pequena porção de tabuleiro. No geral, a margem esquerda do rio apresenta terras muito desgastadas por ação das intempéries e solos autóctones originalmente ricos, hoje empobrecidos por usos predatórios.

Limnossistemas

    Por esta expressão, entenda-se os ecossistemas aquáticos continentais, a exemplo de rios e lagoas. O noroeste fluminense não conta com lagoas, exceto a Lagoa Preta, em Miracema, ao que tudo indica uma lagoa formada por represa antiga e abandonada. O mais conspícuo rio é o Paraíba do Sul, que, em São Fidélis, recebe, pela margem, direita, os rios Dois Rios (o maior de todos os afluentes dentro do município), o rio do Colégio e o rio Pedra d’água, todos eles provenientes da Serra do Mar. Tanto pela margem direita quanto pela esquerda, há uma série de contribuintes de pequeno porte normalmente denominados valões, vários deles secos ou intermitentes por ação antrópica.

No rio Paraíba do Sul, merece destaque o estirão outrora navegável entre a foz e o Salto, primeiro desnível significativo no curso do rio, mesmo assim vadeável a canoas. No passado, ele era singrado por vapores que faziam o trajeto entre Atafona, na foz, até a cidade de São Fidélis, com a finalidade de transportar passageiros e, principalmente, mercadorias. Seu leito mostra-se também bastante largo, comportando ilhas cristalinas e bancos de areia (coroas), estas segundas na estação da estiagem.

O rio Dois Rios, formado pelo Grande e pelo Preto, drena a vertente interior da Serra do Mar, tanto quanto o rio do Colégio, ambos apresentando acentuado declive.
Vegetação nativa Jorge Pedro Carauta e Elizabeth de Souza Ferreira da Rocha (“Conservação da flora no trecho fluminense da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul”. Albertoa, vol. 1, nº 11. Rio de Janeiro: Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, 1988) observaram com propriedade que o rio Paraíba do Sul, no norte-noroeste fluminense, separa dois ecossistemas vegetais do bioma atlântico. Pela margem direita, espraia-se a floresta ombrófila densa, que domina a vertente interior da Serra do Mar até próximo de 1700 metros de altitude, onde se encontra um dos dois campos de altitude da região: a Pedra do Desengano. O outro localiza-se no Pico do Frade, em Macaé. A floresta ombrófila densa é o hábitat da orquídea Laelia fidelensis, espécie oficialmente ameaçada de extinção, e explica-se pela maior umidade, já que a Serra do Mar serve como anteparo às nuvens que se formam sobre o mar e são empurradas para o continente, onde são barradas pela topografia acidentada e se condensam na forma de chuva. Uma parte das águas corre pela vertente externa do maciço por meio de vários pequenos rios, sendo coletada pelo rio Imbé e conduzida para a Lagoa de Cima e, desta, para a Lagoa Feia, pelo rio Ururaí. O único rio que desce por esta vertente e desembocava, facultativamente, no rio Paraíba do Sul, é o Preto.

Já na margem esquerda do Paraíba do Sul, em todo o noroeste fluminense, estende-se uma imensa planura até o maciço da Mantiqueira. Nela, as baixas altitudes não retêm satisfatoriamente as nuvens sopradas do mar pelos ventos. O resultado é uma adaptação da mata atlântica a um período com déficit hídrico na estação seca, resultando num tipo de floresta denominado de estacional semidecidual, vale dizer, que sofre influência da falta de chuvas e perde de 20 a 50% de suas folhas.

Fauna nativa

Viajantes europeus e brasileiros dão conta de uma variada fauna no passado. Nos rios, além de uma diversidade de espécies de peixes, destacavam-se a lagosta de São Fidélis (Machrobrachium carcinus), camarão-de-unha, manjuba, cágado de hogei, piabanha, tatus, preguiças, tamanduá-mirim, pacas, lontras, onças, cachorro-do-mato-vinagre, raposa-do-campo e tantos outros que contribuíam para uma rica biodiversidade faunística.

Povos nativos

Manoel Martins do Couto Reis (1785) e Maximiliano de Wied-Neuwied (1815) registraram a presença dos índios puris em São Fidélis, que, aliás, começou sua vida como redução indígena pela ação dos padres Vitorio de Cambiasca e ângelo de Luca, vindos da Itália. José Ribamar Bessa Freire e Márcia Fernanda Malheiros (Aldeamentos Indígenas do Rio Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, 1997) explicam que os índios a habitar o território entre os rios Pomba e Muriaé faziam parte do grupo Puri, como os coroados, os coropós, e os guarus.

A conquista e a colonização européias

O extrativismo

A primeira área do futuro norte-noroeste fluminense a ser invadida por europeus, no século XVI, foi o tabuleiro e a planície aluvial do rio Itabapoana. Pero de Góis, então donatário da Capitania de São Tomé, instalou um povoado pouco ao sul do rio Itabapoana, então chamado de Managé, chegando até a zona serrana pelo vale do rio, onde encontrou uma queda d’água, junto à qual, segundo relato seu, ergueu um engenho. Assim, a cana foi o primeiro produto agrícola a ser introduzido na região, embora esta primeira experiência tenha fracassado por falta de recursos financeiros e por resistência dos índios goitacás. A segunda tentativa, feita por seu filho Gil de Góis, também entre os rios Itabapoana e Itapemirim, não deu bons resultados, levando o donatário a devolver a capitania à Coroa portuguesa.

A terceira tentativa foi empreendida por sete fidalgos, os Sete Capitães, que ocuparam os campos nativos da planície aluvial do futuro norte fluminense com gado. Começou, então, uma colonização contínua do território antes habitado por povos da nação macro-gê. A zona serrana, naquele momento de acesso difícil por conta da topografia, das densas florestas e da resistência dos indígenas, só começou a ser incorporada à economia de mercado no século XVIII. A primeira riqueza vislumbrada pelos europeus e seus descendentes foram as madeiras nobres. Pouco a pouco, o extrativismo vegetal foi abrindo clareiras para a agricultura e a pecuária. Houve muito desperdício com o uso do fogo como a mais eficiente arma para a supressão da vegetação nativa. Para se ter uma idéia da devastação, registre-se que, nos século XVI, estimava-se uma cobertura florestal de 100% para o atual noroeste fluminense. Atualmente, esta manta verde foi reduzida a pífio 0,5%. No território correspondente a Aperibé, o desmatamento foi de 100%.

Agricultura

    Não apenas a agricultura contribui para a supressão vegetal nativa e para o empobrecimento da biodiversidade como também tem concorrido para agravar as agressões ambientais. O principal cultivo é o da cana-de-açúcar, mormente em função da usina de Pureza, hoje arrendada pelo grupo empresarial MPE. Em vistoria efetuada no dia 28 de outubro de 2004, surpreende que a cana tenha substituído totalmente as florestas em encostas e topos de morros e em margens de rios, considerados áreas de preservação permanente. Este procedimento contribui significativamente para a erosão, para a turbidez (sedimentos em suspensão) dos cursos d’água, para o assoreamento (deposição de sedimentos no leito dos rios), para o fim das nascentes e para a extinção regional de espécies animais nativas, concorrendo para esta última também a caça.

Mas não apenas estes impactos a cultura de cana causa ao meio ambiente. A prática predatória da queimada para despir o canavial de sua folhagem e facilitar o corte acarreta, entre outras conseqüências, o despejo de gases e partículas na atmosfera, a queima da fertilidade do solo, a eliminação ou a expulsão de invertebrados e pequenos vertebrados do canavial e a redução do teor de sacarose. Na fase industrial, a lavagem da cana queimada, antes da moagem, carreia matéria orgânica para os rios, agravando a poluição.

Para compensar a fertilidade natural do solo e para eliminar os concorrentes da cana, os plantadores empregam agrotóxicos e fertilizantes químicos, contribuindo para contaminar o meio ambiente. Na fase industrial, a queima do bagaço de cana polui a atmosfera com gases e partículas, enquanto a fabricação de álcool gera um volume considerável de vinhoto, substância que causa redução de oxigênio dissolvido na água e concorre para a mortandade de peixes.

Além da cana, em São Fidélis também existe a produção de hortaliças e de tomate, principalmente, ambas mais praticadas por pequenos proprietários rurais e produtores. Ambas as atividades se voltam mais para o mercado municipal e regional. Cabe uma pesquisa para verificar o uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos nestas lavouras, já que, pelo menos a tomaticultura, é praticada com uso intensivo de agrotóxicos, como acontece em São José de Ubá.

Pecuária

A pecuária bovina leiteira e de corte ocupa lugar destacado na economia de São Fidélis, ao lado da agroindústria sucro-alcooleira. Isto não significa que a atividade econômica seja expressiva e desenvolvida. Bem ao contrário, ela tem causado fortes impactos ambientais. A abertura de pastos exigiu a supressão de florestas nativas. O pastejo em encostas e topos de morro, áreas de preservação permanente, produz erosão laminar, principalmente, além de queimar energia do gado e roubar-lhe peso ou leite. Há muitas áreas de preservação permanente totalmente devastadas sem nenhuma iniciativa governamental ou privada para recompor-lhes os ecossistemas vegetais nativos.

Apicultura

    Em São Fidélis, a apicultura é uma atividade tradicional e extensiva que durante muito tempo contribui para suplementar a renda do trabalhador ou do pequeno proprietário rural. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), desenvolvido pelo governo federal em parceria com os governos estaduais e municipais, atentou para o potencial econômico da apicultura em São Fidélis. Criou, então, o Projeto Colméia, com base nos princípios do desenvolvimento sustentável.

Originalmente, a apicultura aproveitava-se da abelha africanizada e de plantas nativas espontâneas que crescem nos pastos das terras devastadas do município. As principais são o morrão-de-candeia (Julocroton trequiter), que floresce na estação das chuvas, entre dezembro e março, e a erva-canudo (Hytis suaveolens). Ambas propiciam a produção de um mel claro, cristalino e de excelente sabor. Há ainda o Eucaliptus spp e o assa-peixe (Veronia Pholyanthes).

O referido projeto foi iniciado em dezembro de 2001, tendo em vista implementar três ações: promover cursos para capacitação técnica dos apicultores, fornecer equipamentos necessários para otimizar a produção do mel e incentivar as vendas através de campanhas publicitárias. Um ano depois, os resultados mostraram-se bastante promissores. O projeto beneficiou 360 pessoas diretamente e 450 indiretamente. Aos apicultores tradicionais, somaram-se mais 76. Hoje, 170 apicultores atuam no âmbito do município. A produção aumentou em torno de 15%, totalizando o volume de 17 toneladas em 2002, com cerca de 25% no aumento de vendas. Atualmente, o mel é, na média, o produto que mais renda proporciona ao pequeno produtor, seja ele proprietário de terra ou não. Os resultados têm sido tão promissores que o Projeto Colméia evoluiu para a Associação Apícola do Norte Fluminense, com 112 associados, ou seja, 66% dos produtores. Com a capacitação, novas perspectivas abrem-se para a atividade além do mel, como o própolis, a cera, o pólen, velas e sabonetes de mel. Foi criada uma marca para o produto – Mel da Terra – em fase de ser registrada com SIF, já havendo exportações para outros países.

Do ponto de vista social, houve aumento de renda familiar, elevação da auto-estima do produtor, sobretudo dos proprietários de terras, melhoria da qualidade de vida e maior preocupação com a proteção do meio ambiente.

No entanto, algumas ações podem ser implementadas para otimizar a atividade apícola. Otimizar não equivale a maximizar. Otimizar significa promover o desenvolvimento em consonância com os limites dos ecossistemas, visando também a sua revitalização. Por outro lado, a maximização se insere nos quadros de uma economia de mercado que visa tão somente o lucro. Para promover a otimização, apontamos algumas propostas:

1- Maior participação do Estado, em todas as suas instâncias, não apenas com o objetivo de apoiar a apicultura, mas também de protegê-la e aprimorá-la, considerando o seu contexto ambiental e social.

2- Incrementar a apicultura tomando como base as bacias hídricas, melhor unidade para organizar o desenvolvimento. No âmbito da Secretaria Estadual de Agricultura, Abastecimento e Pesca, existe o Programa de Microbacias, que poderia contribuir para a atividade em São Fidélis.

3- Restaurar e revitalizar a vegetação nativa nas áreas de preservação permanente e criar unidades de conservação no município, muito devastado e escalvado.

4- Restaurar e revitalizar os rios, propiciando a melhoria das águas nos planos quantitativo e qualitativo. Cabe salientar que a água é imprescindível para a vida e para a economia rural.

5- Empreender estudos para conhecer e cultivar as plantas fornecedoras de néctar, de modo que a apicultura deixe de ser apenas uma atividade extrativista e espontânea. Cabe examinar também outras plantas que possam diversificar a qualidade do mel, além de produzir outras fontes de renda. Em conversa com um produtor, foram aventados a laranjeira e o girassol. Ambas fornecem frutos e sementes, além do néctar. Aqui, podem ser invocados os Programas Frutificar e Florescer, que, até o momento, não têm trazido resultados sociais e ambientais promissores.

6- Em caráter experimental, cabe incorporar ao processo produtivo espécies de abelhas dos ecossistemas brasileiros como forma de aumentar a biodiversidade e resgatar espécies expulsas e cada vez mais raras.

7- Proteger a apicultura de agressões periféricas, como as queimadas e o uso de agrotóxicos.
8- Transformar o pequeno produtor em dono de suas terras, prestando-lhe assistência técnica ecologicamente adequada e favorecendo a comercialização de seu produto.

9- Ampliar a esfera de atuação da Associação Apícola do Norte Fluminense, buscando aglutinar apicultores de outros municípios do norte e noroeste fluminense.

10- Desenvolver ações para consolidar uma cultura associativista entre os apicultores.

Arthur Soffiati

1/12/2004

www.jornaldomeioambiente.com.br





www.saofidelisrj.com.br | Copyright 2001 - 2024 todos os direitos autorais reservados
Jornalista responsável Nelzimar Lacerda | Registro profissional DRT/RJ 29740