Poucas vezes a condução governamental atrapalhou tanto os rumos da economia brasileira como nos dias atuais. O Brasil não está à beira da insolvência fiscal ou de balanço de pagamentos, nem sob o risco de dar calote nos credores nacionais e externos, por mais que algumas agências internacionais de risco, em geral energúmenas, estejam prestes a sugeri-lo. São as mesmas agências que agravaram a crise financeira do Sudeste Asiático nos anos 1990 e provocaram o estouro do subprime nos EUA em 2008/2009.
Tampouco o Brasil está à beira de algum colapso inflacionário. É certo que a inflação está reprimida e que a economia deveria e poderia crescer mais. No entanto, a produção e o emprego não estão desabando: 2,3% de expansão do PIB no ano passado é um número baixo, mas bem acima da taxa de crescimento demográfico, de 0,8%.
A dívida líquida do setor público em relação ao PIB situa-se em torno de 35%, proporção bastante moderada no contexto internacional. Em 2002 era da ordem de 60%. Como lembrou Francisco Lopes, mesmo a dívida bruta, em geral apontada como em situação crítica, não é assustadora. Se dela excluirmos o equivalente às reservas de divisas, a proporção cai para 40% do PIB. Um quarto disso decorre das operações de crédito subsidiado do BNDES, um número alto, mas não apocalíptico, até porque nem tudo virará mico nas mãos do banco e do Tesouro.
Por que, então, as expectativas dos agentes econômicos são tão pessimistas? Essencialmente, em razão da insegurança que o governo Dilma provoca e do pesadelo de que ele possa prolongar-se por mais quatro anos. Esta é a questão essencial: não houvesse a possibilidade constitucional da reeleição, tais agentes estariam muito mais tranquilos, mesmo que o PT fosse o favorito.
A insegurança despertada pelo governo vem da incrível inépcia para acelerar os investimentos em infraestrutura – que deveriam ter sido o motor de um novo ciclo expansivo de produção e produtividade da economia -, seja diretamente, pelo investimento governamental, seja mediante parcerias com a área privada. Vem dos erros cometidos a céu aberto, como no caso da intervenção nos preços da energia elétrica, à custa de incertezas para o setor e de imensos subsídios fiscais, que aumentarão no futuro próximo. Vem das desonerações tributárias improvisadas, que acabaram agravando o déficit público. Vem da situação pré-falimentar da Petrobrás e da mediocridade da gestão da empresa, que gerou altos déficits comerciais na área de combustíveis. Vem da absoluta falta de uma política comercial externa e da estultice das amarras do Mercosul, que este governo não inventou, mas consagrou.
Vem também da percepção de ruindade geral, não só em relação à economia: vale, por exemplo, no caso da educação – talvez a área mais fraca do governo Lula, que sua sucessora fez questão de piorar, por incompetência e opção preferencial pelas farsas. Vem da fraqueza exposta da equipe governamental, com gente que não estaria habilitada a administrar um município de tamanho médio. Vem da percepção de amadorismo político, em face da incapacidade de ministrar alianças partidárias. Vem da incrível fragilidade para lidar com as expectativas – tanto na forma como no conteúdo.
A fragilidade não está apenas na presidente, que raramente consegue falar durante cinco minutos algo que faça sentido, tenha começo, meio e fim, com conteúdo e coerência. Há um nivelamento por baixo que se espraia em todas as áreas da administração. Não me lembro de nenhum governo, desde Juscelino Kubitschek até hoje, passando pelos militares, que se tenha dedicado a rebater um editorial de jornal – no caso, o britânico Financial Times – por intermédio de um ministro de Estado. E pior: o governo o fez com argumentos de botequim, na linha “você fala mal de nossa economia e nós falamos mal da economia do seu país”.
A economia brasileira não está à beira do precipício, mas está presa numa camisa de força. Perdeu-se raio de manobra em matéria fiscal, de inflação e de balanço de pagamentos. É fato também que o governo Dilma não é a origem de todos os males, algumas das principais travas vêm do governo Lula – por exemplo, em relação à Petrobrás, vítima de grandes erros estratégicos na década passada, como o método de partilha no pré-sal e a forma como foi implementado.
Mais ainda, veio também do governo Lula a herança do desperdício dos recursos provenientes da bonança externa e da abundância de capitais internacionais. Esse dinheiro foi torrado em consumo e serviu à desindustrialização do País, problema que está na origem do lento crescimento, do desequilíbrio crescente do balanço de pagamentos e do freio aos investimentos privados. Aliás, foi em relação ao período Lula que outra publicação britânica, a revista The Economist, fez uma das capas mais equivocadas de sua história, no fim de 2009: mostrava um Cristo Redentor turbinado a jato, rumo ao céu da prosperidade econômica. Uma análise econômica algo cuidadosa mostraria que o querosene do jato não duraria muito além das eleições do ano seguinte.
Infelizmente para as expectativas econômicas, a presidente pretende disputar as eleições porque, apesar de sua administração não ser bem avaliada, as pesquisas de intenção de voto não são desanimadoras para ela. É um quadro compatível com a presença diária do governo na TV, o investimento maciço em propaganda e uma oposição tímida. Creio que as intenções de voto em Dilma tenderão a murchar na sequência da fragilidade do seu desempenho, mas isso ocorrerá bem mais adiante.
Nesse caso, imaginem os leitores o volume dos novos tropeços verbais e não verbais que nos espera. Curiosamente, no entanto, a possibilidade de alternância de governo poderá ao menos impedir que as expectativas se deteriorem. O Brasil precisa tanto de oposição que a simples possibilidade de que ela venha a fortalecer-se já melhora o ânimo dos agentes econômicos. Em artigos anteriores escrevi que o governo havia sumido. Pensei melhor: infelizmente, ele existe.
Por José Serra – ex-governador de São Paulo